Os imigrantes e refugiados são o ponto de corte de nossa era, a linha que atravessa o nosso momento histórico e nos interpela em todas as direções.
2) Se estudarmos o crescimento da ext-direita, vemos que a migração é central na narrativa de ódio deles. Se falamos em colonialismo e neocolonialismo, vê-se que as mesmas estruturas que exploraram e pilharam territórios no passado são as que, hoje, expulsam pessoas de suas terras e as empurram pro desterro.
3) Se a discussão gira em torno da crise de natalidade ou da previdência social, os imigrantes, em vez de serem vistos como parte da solução como o são, são apontados como culpados.
4) Precisa-se cuidar a geração que envelhece, mas ignora-se a centralidade do trabalho de cuidado e de reprodução social, desempenhado principalmente por mulheres migrantes, uma realidade que dialoga diretamente com a atenção do feminismo marxista.
5) Se falamos de uberização do trabalho na Europa, ou de avanço do tecnofeudalismo, ou de neoliberalismo e suas formas mais extremas, ou de ultraliberalismo - não “importa” muito o nome - as novas e velhas fases do sistema continuam a precarizar, dividir e espoliar os trabalhadores imigrantes.
6) Somemos a isso a crise ambiental, que já força deslocamentos em massa, tornando o exílio um fenômeno global. São os primeiros a sentir os efeitos do colapso climático e, ao migrarem, são recebidos com o discurso de que “não há recursos pra todos”.
7) Nos bairros periféricos, onde o abandono do Estado é evidente, a violência policial cai de forma desproporcional sobre corpos racializados e marginalizados de imigrantes. O sistema identifica essas vidas como descartáveis e insiste em empurrá-las pra invisibilidade, exceto quando morrem. Aí são instrumentalizados por populistas.
8) E ainda assim, como perguntei uma vez a Jodi Dean, parece que em muitos países ainda estamos presos à primeira fase das lutas identitárias: um cenário onde grupos de pessoas racializadas continuam lutando contra o Estado por uma igualdade de direitos, mesmo que, na prática, essa igualdade permaneça apenas no papel, tal qual como vimos nas lutas pela abolição da escravatura, onde a “liberdade” não significou justiça material.
9) Não de justiça material talvez, mas o fato é que a regularização de situações e permissões de residência é um ponto inicial. Imprescindível pra dignidade.
10) E, quando um imigrante se move, ele carrega o peso do mundo nas costas e ainda é tratado como culpado. Culpado por “inflacionar o mercado imobiliário”, culpado pela crise social, culpado pela pobreza que ele mesmo NÃO criou.
11) Vale lembrar que a imigração é a face mais visível de uma crise estrutural, onde o capital se move sem fronteiras, mas os seres humanos são barrados, criminalizados e desumanizados.
12) Mas, no capitalismo, o imigrante não é um cliente comum? Ele paga o aluguel mais caro, consome, trabalha e ainda assim é tratado como uma anomalia no mercado, como se o seu simples existir fosse uma ameaça. Enquanto isso, os verdadeiros responsáveis pela especulação (fundos de investimento, especuladores imobiliários e elites financeiras) seguem intocados e lucrando.
13) A ideia de integração, que nos vendem como solução, é igualmente cruel. Não é apenas uma adaptação: é uma fagocitose, um processo de apagamento do passado, da origem, da cultura.
14) Pro imigrante, a integração tem uma exigência perversa: ele precisa provar o seu valor. Tem que ser o “bom imigrante”, aquele que aprende a língua rapidamente, que assimila a cultura local e que, acima de tudo, não incomoda.
15) É a meritocracia do migrante, uma lógica absurda que exige do imigrante um esforço triplo para ser aceito e, ainda assim, ele talvez jamais será suficiente. Porque o problema não é ele: o problema é o sistema que constrói muros invisíveis, alimenta preconceito e nega direitos básicos.
16) A verdade que temos é um sistema que lucra com o imigrante (mas que o despreza), que exige sua integração, mas nunca o aceita por completo. Que culpa o pobre pela pobreza e o exilado pela destruição ambiental, mas não vê que a vinda deles é consequência e não causa de um colapso. O problema não é o imigrante.
17) o Imigrante é sempre um bode expiatório. Ele paga o preço mais alto, seja pelo mercado imobiliário, pelo colapso climático ou pelas crises sociais. É ele que trabalha nos empregos mais precarizados, que sustenta as economias locais, que rejuvenesce a força de trabalho. Mas, em vez de ser reconhecido, ele é vilanizado.